26 setembro, 2004

Dá-me a tua

Os olhos querem fechar-se.
Os sons sibilam pelos cantos do quarto.
O vento corre livremente na escuridão.
Quem quer ser feliz esta noite?

Vem, dá-me a tua mão. Dançaremos a valsa da vida, na noite que jamais será esquecida.
Vem, dá-me a tua mão. Seremos lua e luar, num mundo onde há asas para voar.

Ambos sabemos que ninguém mais nos compreende neste mar de máscaras sem fim...

Eu estou aqui.
O teu raio de luz na tempestade de medos
A tua estrela que brilha no vácuo da noite




Ninguém.
Ninguém quer ser feliz esta noite.


20 setembro, 2004

Não quero representar

O passo largo, as sapatilhas rotas, o olhar de desdenho. Ao seu lado, as árvores abanavam ao de leve, pela suave brisa da manhã. Não quis abraçar os encantos da natureza, nem fugir em lembranças sonhadas. Injuriou os céus, e apressou-se para a sua triste sina de estudante.
Os seus rostos falsos trouxeram lembranças da podridão do ano que passara ali, naquela escola, com aquelas pessoas. Lembranças que, nos dias chuvosos de Verão, tentara apagar. Chegara o Outono, e com ele as folhas secas do seu jardim, o frio que aquecia a sua solidão, os apelos gritados ao vento...
Todos a olhavam, naquele corredor frio de hospital psiquiátrico. Lá ao fundo, alguém a chamou. Sorriram, acolhendo-a num teatro de amizade que nunca existiu. Não quis representar

Enquanto conversavam, apercebeu-se do nada que sentia por toda aquela gente, actores que representavam a dança da estupidez humana ilimitada. Pavoneam-se pela escola, sorrindo e falando descontraíadamente, sempre com um olho em redor, à procura de novas caras. E, quando encontram alguém conhecido, trocam beijinhos e palavras sem sentido. O quanto a repugnava toda aquela hipocrisia, todo aquele ritual de aparente acaso!

Olhou o céu e pensou na falta de sentimento e verdade nas pessoas. Quis acabar com aquilo tudo. Quis embalar o mundo no amor da estrela do mar e rasgar aquelas máscaras inutéis...
Susana virou-se e partiu daquele mundo que não compreendia.
No caminho para casa, sorriu para a velha cigana de trajes negros e sonhou com o dia em que encontrara a estrela...

15 setembro, 2004

O velho

O velho não quis saber. Entrou no café do costume, sentou-se na mesa à janela e tomou o seu pingo. Não havia preocupações. Ao nascente, um vermelho vivo coloria os céus. Vai chover, murmurou o velho. Saiu do café e tomou a rua para o jardim. À entrada do parque, um casal discutia e a criança choramingava, esquecida pela fúria dos pais. O velho não queria saber. Apressou o passo, percorreu os jardins e sentou-se no banco esquecido à sombra da tília. Abriu o livro e começou a ler calmamente as páginas soltas, à medida que mergulhava num outro mundo, numa outra vida, num outro tempo...
Começou a chover. O velho não quis saber.

13 setembro, 2004

Triste ausência

O que não sabes,
não te magoa.

Dói. Às vezes dói saber, mas continuamos sempre à procura de respostas. Vai doer, nós sabemos, mas precisamos de levar com a bala para saber a verdade, para sofrer mais um pouco a ausência de quem já não nos pertence.
Caímos, caímos na realidade, batemos no fundo, sofremos mais, será que para ela é tudo um sonho maravilhoso? Será que enquanto desço, ela sobe?

Lutando contra a maré, tento aguentar-me à superfície de uma sociedade que me puxa para baixo, para o mundo da música e das drogas, do convívio e da hipocrisia, lá, no fundo do mar, não há certezas, todos usam máscaras, escondem-se por entre algas, não há dia, apenas uma escuridão de sentidos e prazer: ilusões...
Toca-me. Não sentes? Sou feita de chuva. E para cada dia da tua ausência, uma gota cai de mim. Morro na vazia ausência da tua não existência. És um sonho. Ou és tu que me sonhas?
Pergunto-te se estou só. Prova-me o contrário...

Quantos dias de tempestade me faltam? Tu não me sentes.
Sussurro ao homem do leme que me leve com ele. Neste mar de algas venenosas, nem sempre estive só. Mas a noite desceu e elas abriram os olhos para a lua, caindo nas águas negras do mar. Estou só. Quando me juntar à noite, talvez encontre no fundo do que não sei, o luar de que todos falam...
Pedi-te que me levasses contigo, mas tu nada disseste. Foste-te embora, levado pelas ondas, prometendo-me que um dia voltarias. Quantas gotas de chuva me restam? Espero a areia quente dos teus cabelos e o néctar doce do teu coração. Mas tu não vens. Serás sonho?

04 setembro, 2004

Viver não custa, custa é saber viver...

Sentado ao balcão
Ignorando tudo ao meu lado
Desprezando tudo e todos
Em que pensava eu?
Esta vida é como um puzzle
Vão-se encaixando as peças

Viver não custa, custa é saber viver
Enfrentando a vida pronto a vencer
Se toda a gente soubesse sonhar


A vida são degraus
Subam e desçam com cuidado
E ao tentar subir, vê lá, podes cair…

Saio de mim
Quero saber o que não sei
Perder o que não ganhei
O não saber viver
É o mal de muita gente
É simples a razão de viver

A vida é um labirinto
Procura a sua saída
Não te deixes encurralar

A vida são degraus
Subam e desçam com cuidado
E ao tentar subir, vê lá, podes cair…

Sentado ao balcão

Viver não custa, custa é saber viver
Enfrentando a vida pronto a vencer
Se toda a gente soubesse sonhar


Sentado ao balcão, Censurados

Simples gotas de chuva


Hoje dancei à chuva. Olhei os céus e os meus pensamentos foram levados pelo vento. Senti as gotas de chuva limpar as minhas mágoas, não havia deuses maus, nem problemas que não fossem resolvidos. Havia sim, uma beleza sem dimensões naquele céu cinzento. Uma luz que não se via, mas que se sentia, inundava-me a mim, e à cidade numa paz sem limites... E a chuva a cair, as nuvens a brilhar, os meus olhos a amar cada pedaço de beleza daquele momento. Dentro de mim, o mundo não perecia. Havia esperança, sim. Em cada gotícula de chuva, eu via uma gota de esperança que me fazia sorrir.

Hoje dancei à chuva. E tu não estavas lá. Ninguém precisava de estar lá. Só eu, eu, eu precisava de ver. De abrir os meus olhos para as coisas simples da vida. Porque sim, a banalidade também é importante. Porque sim, a simplicidade faz-nos felizes. Pode não ser por muito tempo, mas são os bons momentos que precisamos de guardar.
Sorrio à vida e agradeço à chuva.




02 setembro, 2004

Será que tudo vale a pena?

Àquela hora, o cemitério já está fechado. As criptas parecem estar ali há muito tempo... lembra-me uma passagem dos Maias, "Assim o bom Vilaça teve no Cemitério dos Prazeres o seu jazigo - que fora a alta ambição da sua existência modesta."

O tempo mantinha-se fiel à morte, quem quisesse viver teria de enganar o tempo. Mas quem consegue enganar o tempo?

Pergunto-me se há cemitérios na terra dos sonhos. Não que eu queira enterrar os meus sonhos, mas será que eles morrem?

Quando uma pessoa julga que pode brincar com os sentimentos das pessoas, uma porta de metal fecha-se na nossa cara. Ei, mas eu nem tive tempo de... não há ninguém para te ouvir. Será que valeu a pena? Tudo vale a pena se a alma não é pequena!

Acabo de levar um murro para sair daqui. Será que vale a pena arriscar levar mais para continuar a escrever este texto sem qualquer interesse? Não!
Afinal Fernando Pessoa, estavas errado. Nem tudo vale a pena...

01 setembro, 2004

O fim

Vi uma garrafa ao longe no mar.
Nadei e nadei, até a encontrar.
As nuvens eclipsaram o sol, a escuridão abateu-se. Foi então que começaram a gritar: sobre os seus corpos caíam pingas vermelhas dos céus. O mar tempestuoso atirou-me para terra. Abri a garrafa. Lá dentro, uma epístola sem nome chamava por mim. Com a carta na mão, fugi para casa. À minha frente, um tornado dançava com os arranha-céus. Subi a colina e abriguei-me na casa abandonada de vidros partidos. Olhei para baixo. Tudo se desmoronava perante os meus olhos. Aves caíam no chão, os prédios ruíam, as pessoas gritavam, os cães uivavam, o vento rugia, o mar entrava por terra, chovia sangue e cinzas … o mundo estava a morrer.

Abri o manuscrito. Dizia:
A esperança morreu nos corações humanos.

O último raio de sol entrou pela janela.