06 maio, 2005

(momentos)

Deveria eu ter aceitado as tuas desculpas? - pergunto-me, enquanto ao longe o telefone toca. É o Luis a dizer que passa aqui às 9h para nos tirar uma fotografia com a sua nova câmera. Desligo o telefone, atiro-o para cima da cama, e reparo na luz que vem de lá fora - O sol demora-se a morrer. O vento que entra pela janela é morno e traz os cheiros do Verão que outrora estiveram escondidos. Assim como tu. Uma aranha agarra-se impetuosamente ao cortinado que entra pelo quarto, o vento recortando-lhe ondas de azul com reflexos doirados. Há momentos destes em que a mente pára para se deleitar com a beleza que seus olhos alcançam, os pormenores tão perto e os lá ao longe. Desperta-se para a vida, e o tempo observa impávido enquanto rasgamos as águas e respiramos pela primeira vez (ou assim o parece). Tu adormeces nas teias em que tua mente te embrulha. Mas eu não quero ver, a decadência interior perturba-me, (tarde de mais) as lágrimas caem destes olhos cansados, testemunhas da queda humana. Namorados passeiam-se ao lusco-fusco, não sabem a noite que ainda há-de vir, com seus segredos e ilusões e (como marinheiros que se deixam encantar pela voz das sereias) os seus olhos brilham - o momento crepuscular pertence-lhes.
Por vezes condeno-me por te ter incentivado para a vida. Atirei-te para os leões ferozes, pensando que teus dons apaziguadores os aquietassem. Da arena triste vieste, com a mais dolorosa das lamúrias de se ouvir: o silêncio. Debalde foram as minhas ávidas tentativas de ver - compreender - sarar as tuas feridas. Debalde as lágrimas de raiva atiradas ao mutismo com que me deixaste.
Recolho-me, então, a um círculo exterior ao teu, a um outro jardim de pensamentos e sensações, para ver a vida passar. Momentos como este que passou (a luz é quase imperceptível) repetem-se, as árvores vigilam meus passos, sabem que me exilo da realidade cujas mãos queimam inocentes - aqueles que esperam a ternura abraçar o mundo, aqueles que devem ódio ao mundo - ah, o covil onde se metem tais almas puras!
O teu carácter fleumático como foi dificil (agora impossível) de rasgar por momentos, para de seguida te esventrarem na noite, com palavras, com gestos, com meros rostos falaciosos. Como desejaria ser o teu manto de protecção e afastar toda a crueldade humana, mas o inevitável aconteceu, o mundo voltou a abandonar-te magoado ao relento, provando não haver Esperança (esta a mim também me escapa pelos dedos).
Saber dói mas não saber é-me insuportável (a noite cai).