04 dezembro, 2004

teias do tempo


"A Miss Hudson acabou de fechar o livro - disse Rhoda. - Está a começar o terror. Agora, pega no giz e começa a desenhar números, seis, sete, oito, e depois uma cruz e só então uma linha. Está tudo no quadro. Qual é a resposta? Os outros olham, olham com ar de quem compreende. O Louis escreve; a Susan escreve; o Neville escreve; a Jinny escreve; até mesmo o Bernard começou agora a escrever. Todavia, eu não consigo. Apenas vejo números. Um a um, os outros vão entregando as respostas. Chegou a minha vez. Só que não tenho respostas. Os outros tiveram autorização para sair. Deixaram-me sozinha para que encontrasse a resposta. Os números não têm qualquer sentido. O sentido desapareceu. O relógio faz tiquetaque. Os dois ponteiros são como caravanas a atravessar o deserto. As barras negras no mostrador são como oásis verdes. O ponteiro maior antecipou-se para ir buscar água. O outro, dolorosamente, vai tropeçando por entre as pedras quentes. Acabará por morrer no deserto. A porta da cozinha bate. Os cães vadios ladram lá longe. Reparem, a forma redonda do número começa a encher-se com o tempo; o mundo está todo lá contido. Comecei a traçar um número, o mundo está lá dentro e eu estou fora do laço. Acabo por o fechar - assim - selando-o, tornando-o inteiro. O mundo está completo e eu estou de fora, a gritar: «Oh, salvem-me, salvem-me de ser afastada para sempre do laço do tempo!»"

As ondas, de Virgínia Woolf

4 comentários:

Anónimo disse...

ainda pensei que podias ser tu. a escrever neste tempo.
ele.

Eduarda Sousa disse...

Comprei "As ondas" acerca de um ano. Mas entretanto os livros foram-se acumulando e ainda não cheguei a ele... estás a gostar? dizem que é um livro difícil de ler e muitos desistem a meio da leitura!

Anónimo disse...

O que eu acho mais fascinante na Virginia Wolf são as enxaquecas, sabias?

Obrigado pelos comentários que tens deixado. A vida-fora-das-linhas anda demasiado preenchida, por isso tenho escrito pouco.

Obrigado, também, por me teres lembrado das Ondas e de um sem número de coincidências que nos aproximam da certeza de que até as coisas mais pequenas não são inúteis.

Gala Eluard,
Caderno Negro

Madame Pantera disse...

é um livro perfeito...simplesmente deslumbrante.