Rondava os quatro cantos do quarto refugiando o seu olhar na pequena janela que o unia às ruas inquietas. O sol fugia-lhe indomitamente do outro lado, os passos e as vozes minguavam à passagem da sombra, é tudo um grande teatro, pensou. Lendo os seus pensamentos, a noite fez o seu aparecimento em palco, projectando a sua bailarina nas paredes vazias da divisão.
Quisera deitar-se, o dia seguinte assemelhava-se na sua mente ao de Prometeu, mas algo o detinha. Pleno na escuridão, repousou o seu corpo cansado na parede e humedeceu os beiços. Algo se esgotava além da água nas suas células, um nada que poderia ser tudo... estendeu as mãos e perscrutou as suas linhas, veias, protuberâncias. Procurava inutilmente a causa em algo de palpável e, por momentos, acreditou ver numa mancha de sangue a fonte do seu descontentamento. Acenou negativamente com a cabeça, aquela mácula existia há muito, não se lembrava era do que a tinha provocado... sorriu. Recordara-se dos seus dias de infância, das vezes em que chegava a casa imundo, com os cotovelos e joelhos ensanguentados e, ainda assim, feliz de si. Perante a grandeza de um mundo por descobrir, o aspecto exterior em nada abrandava o seu curso desvairado...
Nada restara desses tempos, apenas a agridoce lembrança.
Hoje somente desejava poder esquivar-se da realidade e das suas teias, refugiar-se noutro reino, um de profundas crateras e seres alienígenas incompreensíveis para a sua fragilidade humana... não teria de relacionar-se, apenas subsistir (e só se o quisesse). Aqui, ele permanecia interminavelmente ligado aos outros; o acaso unia milhares de pessoas que, mesmo na mais profunda solidão, se encontravam agarradas por correntes, umas temporárias, outras eternas. Eram as últimas que, nos seus momentos mais lúgubres, o impediam de cometer um acto de pura sanidade
(a insanidade mantinha-o vivo)
Colocou uma velha música a tocar no seu gira-discos. A voz feminina deslizou pelo vazio, encontrando-o caído no chão.
Tonight we escape...
he fell asleep.
*Quisera deitar-se, o dia seguinte assemelhava-se na sua mente ao de Prometeu, mas algo o detinha. Pleno na escuridão, repousou o seu corpo cansado na parede e humedeceu os beiços. Algo se esgotava além da água nas suas células, um nada que poderia ser tudo... estendeu as mãos e perscrutou as suas linhas, veias, protuberâncias. Procurava inutilmente a causa em algo de palpável e, por momentos, acreditou ver numa mancha de sangue a fonte do seu descontentamento. Acenou negativamente com a cabeça, aquela mácula existia há muito, não se lembrava era do que a tinha provocado... sorriu. Recordara-se dos seus dias de infância, das vezes em que chegava a casa imundo, com os cotovelos e joelhos ensanguentados e, ainda assim, feliz de si. Perante a grandeza de um mundo por descobrir, o aspecto exterior em nada abrandava o seu curso desvairado...
Nada restara desses tempos, apenas a agridoce lembrança.
Hoje somente desejava poder esquivar-se da realidade e das suas teias, refugiar-se noutro reino, um de profundas crateras e seres alienígenas incompreensíveis para a sua fragilidade humana... não teria de relacionar-se, apenas subsistir (e só se o quisesse). Aqui, ele permanecia interminavelmente ligado aos outros; o acaso unia milhares de pessoas que, mesmo na mais profunda solidão, se encontravam agarradas por correntes, umas temporárias, outras eternas. Eram as últimas que, nos seus momentos mais lúgubres, o impediam de cometer um acto de pura sanidade
(a insanidade mantinha-o vivo)
Colocou uma velha música a tocar no seu gira-discos. A voz feminina deslizou pelo vazio, encontrando-o caído no chão.
Tonight we escape...
he fell asleep.