É sempre tão inconstante, a minha vontade de interferir. Por um segundo, as palavras formam-se, no segundo a seguir, diluem-se naquele pesado silêncio. Aquele silêncio que ninguém gosta de quebrar, porque a primeira nota de som vai logo embater nos grandes portões do silêncio, e mesmo o mínimo ruído parece um grito agonizante que nos acorda para o mundo. Quem ousa abalar o meu silêncio? Cobardia? talvez. Ou talvez as palavras não mereçam atenção... Mas e as palavras riscadas no papel? aqueles sarrabiscos de tinta que tentam apagar algo escondido... quem é que já não tentou ler o que estava lá escrito, por baixo daquele véu negro de algo que ficou por dizer? e paira aquela névoa densa no ar. E não digo o que penso. E algo fica por dizer. E simplesmente, não me atiro para o meio da estrada para salvar o rapaz. E a vida continua. Sigo em frente, pelos corredores do que é palpável. E a vontade volta de mudar. De salvar o mundo de tudo o que vejo nos olhos daquela gente sem sabor. O azedo de toda a situação. Interferir, deixar passar a multidão cega. E as palavras formam-se para, mais uma vez, as escrever no meu muro das lamentações. O muro interminável do não saber aproveitar cada pedrinha de areia que cai na clepsidra gigante chamada vida. Afogo-me na minha saliva.
27 outubro, 2004
20 outubro, 2004
Dilúvio
O dilúvio - o vento carrega consigo as mágoas passadas, os gritos sufocados de mil crias afogadas, as peles dilaceradas, o que foi arrancado à natureza sem pudor, que agora nos é devolvido... -
A rapariga dá uns passos no andaime, não pára, cai, está no chão - um sonho sem som -
As manchas de sangue no papel - dor no seu coração -
A tília a cair à minha frente - beleza e tristeza confundem-se -
O menino a chorar à chuva nas grades verdes da escola - abraça-me -
Memórias fotográficas
A rapariga dá uns passos no andaime, não pára, cai, está no chão - um sonho sem som -
As manchas de sangue no papel - dor no seu coração -
A tília a cair à minha frente - beleza e tristeza confundem-se -
O menino a chorar à chuva nas grades verdes da escola - abraça-me -
Memórias fotográficas
14 outubro, 2004
não quero acordar
Esquecendo o preservativo, aventurei-me nos vales da minha imaginação.
O sol morria nas nuvens cinza, uma luz prateada abria os céus e me comia os passos
o vento a asfixiar-me docemente
a tempestade a mergulhar em mim
uma gota de chuva no meu nariz
Corro sem pensar. Corro sem pensar. Corro sem pensar.
C-o-r-r-o s-e------
Diz-me, para onde vão os sonhos quando ficamos cegos?
às vezes os vales afundam-se e nascem prédios e caras poluídas
e o céu prateado é o cinzento das estradas
e o vento que me asfixia são os bafos de mil corpos
e a tempestade humana desaba em mim
uma gota de chuva no meu olho
Diz-me, para onde vão os sonhos quando ficamos cegos?
vejo ao longe os prados verdejantes, ouço os trovões que se aproximam
um ponto de luz a escapar-se no poente
Corro para os meus sonhos, sem pensar.
09 outubro, 2004
preservativo sem identidade
um preservativo na secretária.
um preservativo a destoar entre os papéis espalhados pela mesa.
a respiração a acelerar, os olhos cravados no invólucro, de quem será?
um pequeno objecto que passaria despercebido à primeira vista, mas não para os meus olhos curiosos.
quando vi, pensei que fosse outra coisa.
um supositório, daqueles que se vêem na casa dos avós.
no segundo a seguir, o nome me veio à cabeça, e deixou de ser um pequeno objecto sem interesse.
a minha mente a dar voltas... de quem será?
imagino o preservativo nas mãos de todas as personagens desta casa. Excluo duas pessoas. Restam-me as outras três...
na minha cabeça, um livro se abre. Vamos lá analisar as personagens, as suas vidas nos últimos dias.
Sim. Não. Talvez...
poderia ser desta ou daquela. Inclino-me mais para a experiente.
a questão mantém-se. São precisas provas. Terei de fazer perguntas...
aquele preservativo na minha mão abre portas para outros mundos desconhecidos.
escondo-o o mais rápido possível debaixo de uns papéis. Abandono-o ali, naquela secretária velha.
realidade, enfrento-a novamente.
são pequenos passos que dou, sigo as pistas que encontro no meu jardim, para me levarem para lá das muralhas do meu mundo.
...de quem será?...
07 outubro, 2004
Chocado?
Valeu a pena ver a verdade escondida?
Afoguei-me em milhares de sonhos, pequenos monstros nascidos de mim. Embalei-os numa teia fina, feita de palavras, bordada com a mais doce esperança, até que foram crescendo, cada vez mais gordos, mais risonhos, até onde iriam as paredes da ilusão?
O olhar esgazeado.
Que foi? Não sou aquilo que esperavas?
Deixa-me rir! Cuspo em ti, cuspo nas tuas pútridas máscaras, cuspo na tua cara coberta de mentira, agora o que és?
NADA! N-A-D-A!
Ahahahhah!
Afogo-me mas não vos levo comigo. Agarro o medo e afundo-me com ele. Para trás, deixo a vida, os sonhos e a esperança. Os nossos olhares deixam-se ficar presos pela corrente do que construímos. Não te abandonarei. Nunca. Os teus olhos de cristal largam lágrimas de sonhos só nossos que ninguém mais alcançou. Mergulho nestas águas envenenadas, o último sopro atirado ao vazio, continuo a olhá-lo, uma visão que se esvai na escuridão
06 outubro, 2004
It can't rain all the time
We walked the narrow path,
beneath the smoking skies.
Sometimes you can barely tell the difference
between darkness and light.
Do you have faith
in what we believe?
The truest test is when we cannot,
when we cannot see.
beneath the smoking skies.
Sometimes you can barely tell the difference
between darkness and light.
Do you have faith
in what we believe?
The truest test is when we cannot,
when we cannot see.
I hear pounding feet in the,
in the streets below, and the,
and the women crying and the,
and the children know that there,
that there's something wrong,
and it's hard to belive that love will prevail.
Oh it won't rain all the time.
The sky won't fall forever.
And though the night seems long,
your tears won't fall forever.
Oh, when I'm lonely,
I lie awake at night
and I wish you were here.
I miss you.
Can you tell me
is there something more to belive in?
Or is this all there is?
In the pounding feet, in the,
In the streets below, and the,
And the window breaks and,
And a woman falls, there's,
There's something wrong, it's,
It's so hard to belive that love will prevail.
Oh it won't rain all the time.
The sky won't fall forever.
And though the night seems long,
your tears won't fall, your tears won't fall, your tears won't fall
forever.
Last night I had a dream.
You came into my room,
you took me into your arms.
Whispering and kissing me,
and telling me to still belive.
But then the emptiness of a burning sea against which we see
our darkest of sadness.
Until I felt safe and warm.
I fell asleep in your arms.
When I awoke I cried again for you were gone.
Oh, can you hear me?
It won't rain all the time.
The sky won't fall forever.
And though the night seems long,
your tears won't fall forever.
It won't rain all the time
The sky won't fall forever.
And though the night seems long,
your tears won't fall, your tears won't fall,
your tears won't fall
forever...
Jane Siberry, The Crow ST
03 outubro, 2004
Através da fenda
Engana-me a maneira de ver a vida.
A pureza do mundo.
A beleza no olhar de alguém.
Ver para além da realidade cinzenta, um arco íris perdido que nunca existiu.
Talvez se fechar os olhos, seja levada pela corrente, lá bem para o fundo da multidão.
E o tempo abrande
para viver
sem respirar
o segundo
a seguir
O relógio a ultrapassar-me o passo. A vida a fugir-me à frente.
E quanto mais corro, mais me tudo escapa.
Sou uma marioneta nas mãos da sociedade. Presa. Prendem-se a vida, amordaçam-me a boca, tiram-me o tempo e eu deixo.
Eu, eu, eu deixo.
Mudar. Toda a gente tem tanto medo da mudança, de fazer algo.
E torcer o mundo e fazer dele uma tela de cores.
Falar.
Gritar.
Fazer.
Mudar. Mudar. Mudar.
Cego. O mundo está cego e eu também.
Escavar, vou chegar à superficie e sair daqui.
A pureza do mundo.
A beleza no olhar de alguém.
Ver para além da realidade cinzenta, um arco íris perdido que nunca existiu.
Talvez se fechar os olhos, seja levada pela corrente, lá bem para o fundo da multidão.
E o tempo abrande
para viver
sem respirar
o segundo
a seguir
O relógio a ultrapassar-me o passo. A vida a fugir-me à frente.
E quanto mais corro, mais me tudo escapa.
Sou uma marioneta nas mãos da sociedade. Presa. Prendem-se a vida, amordaçam-me a boca, tiram-me o tempo e eu deixo.
Eu, eu, eu deixo.
Mudar. Toda a gente tem tanto medo da mudança, de fazer algo.
E torcer o mundo e fazer dele uma tela de cores.
Falar.
Gritar.
Fazer.
Mudar. Mudar. Mudar.
Cego. O mundo está cego e eu também.
Escavar, vou chegar à superficie e sair daqui.
01 outubro, 2004
A vida só tem um sentido. Por isso, voei.
palavras que saiem do papel a voar.
Gostava de ter visto os pandas nas montanhas e enveredar numa aventura de tesouros perdidos, animais perigosos e amores selvagens.
Quando os últimos raios de sol se deitam, sinto sempre arrepios, arrepios que me atraem, para junto da noite, dos seus cheiros, dos seus encantos e segredos, quando encontrarei a tua mão?
Às vezes é díficil ser eu sem distorcer o eu. O intocável eu acaba por ser comido pelos outros eus e todos querem ser eu. É díficil ser-se eu.
E quando eu tocar o tecto do céu, serei rainha dos tempos e farei da humanidade uma tempestade passageira. Porque quem não ama, não pode ser amado. E nem o sol fará sorrir a chuva...
O coração solitário daqueles que não ouvem continua incompreendido. Paira à minha frente para sempre, numa dança surda a preto e branco. Ninguém vê.
Shh, não digas nada. Viajámos anos luz para chegar tão longe. E ninguém mais nos fará regressar, só nós mesmos. Cada pedacinho de memória aqui na minha mão. Para ser só isso, lembrança. Esconde-me de mim.
Gostava de ter visto os pandas nas montanhas e enveredar numa aventura de tesouros perdidos, animais perigosos e amores selvagens.
Quando os últimos raios de sol se deitam, sinto sempre arrepios, arrepios que me atraem, para junto da noite, dos seus cheiros, dos seus encantos e segredos, quando encontrarei a tua mão?
Às vezes é díficil ser eu sem distorcer o eu. O intocável eu acaba por ser comido pelos outros eus e todos querem ser eu. É díficil ser-se eu.
E quando eu tocar o tecto do céu, serei rainha dos tempos e farei da humanidade uma tempestade passageira. Porque quem não ama, não pode ser amado. E nem o sol fará sorrir a chuva...
O coração solitário daqueles que não ouvem continua incompreendido. Paira à minha frente para sempre, numa dança surda a preto e branco. Ninguém vê.
Shh, não digas nada. Viajámos anos luz para chegar tão longe. E ninguém mais nos fará regressar, só nós mesmos. Cada pedacinho de memória aqui na minha mão. Para ser só isso, lembrança. Esconde-me de mim.
Sim, sou louca... e os pássaros voam!
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