20 setembro, 2004

Não quero representar

O passo largo, as sapatilhas rotas, o olhar de desdenho. Ao seu lado, as árvores abanavam ao de leve, pela suave brisa da manhã. Não quis abraçar os encantos da natureza, nem fugir em lembranças sonhadas. Injuriou os céus, e apressou-se para a sua triste sina de estudante.
Os seus rostos falsos trouxeram lembranças da podridão do ano que passara ali, naquela escola, com aquelas pessoas. Lembranças que, nos dias chuvosos de Verão, tentara apagar. Chegara o Outono, e com ele as folhas secas do seu jardim, o frio que aquecia a sua solidão, os apelos gritados ao vento...
Todos a olhavam, naquele corredor frio de hospital psiquiátrico. Lá ao fundo, alguém a chamou. Sorriram, acolhendo-a num teatro de amizade que nunca existiu. Não quis representar

Enquanto conversavam, apercebeu-se do nada que sentia por toda aquela gente, actores que representavam a dança da estupidez humana ilimitada. Pavoneam-se pela escola, sorrindo e falando descontraíadamente, sempre com um olho em redor, à procura de novas caras. E, quando encontram alguém conhecido, trocam beijinhos e palavras sem sentido. O quanto a repugnava toda aquela hipocrisia, todo aquele ritual de aparente acaso!

Olhou o céu e pensou na falta de sentimento e verdade nas pessoas. Quis acabar com aquilo tudo. Quis embalar o mundo no amor da estrela do mar e rasgar aquelas máscaras inutéis...
Susana virou-se e partiu daquele mundo que não compreendia.
No caminho para casa, sorriu para a velha cigana de trajes negros e sonhou com o dia em que encontrara a estrela...

4 comentários:

Anónimo disse...

a dança da mentira.
ele

Anónimo disse...

Tenho 27 anos revejo-me completamente neste texto. Se o tivesse visto na adolescência...não me sentia tão infeliz. Porque estava só, sem copreender. Ainda me surpreende alguém escrever este texto. E poder sentir assim, naquela fase da vida.

Anónimo disse...

Tenho 27 anos revejo-me completamente neste texto. Se o tivesse visto na adolescência...não me sentia tão infeliz. Porque estava só, sem copreender. Ainda me surpreende alguém escrever este texto. E poder sentir assim, naquela fase da vida.

Anónimo disse...

Excellent, love it!
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